sexta-feira, 1 de junho de 2012

O Cheiro da Idade!



     Eu às vezes fico pensando como deve ser interessante ser um cientista e viver numa nação em que a ciência é estimulada ao máximo. GRANDES nações fazem tanto grandes pesquisas em ciências naturais com aplicações diretas em contextos clínicos e empresariais, como também grandes pesquisas que simplesmente nos ajudam a conhecer como funcionamos. Deve ser maravilhoso você ir dormir todo dia sabendo que contribuiu, ainda que com uma pequena parte, para a melhor compreensão do ser humano.
     Quero compartilhar com você a genial pesquisa desse grupo da Monell Chemical Senses Center (Philadelphia - EUA), que publicaram ontem um artigo na revista PLoS ONE intitulado "The Smell of Age: Perception and Discrimination of Body Odorsof Different Ages" (O Cheiro da Idade: A Percepção e Discriminação dos Odores Corporais das Diferentes Idades). Como foi feita essa pesquisa? Primeiramente, os pesquisadores distribuíram camisas brancas iguais para 41 sujeitos (homens e mulheres) de 3 faixa etárias diferentes (jovens = 20 a 30 anos; meia idade = 45 a 55 anos; velhos = 75 = 95 anos). Essas pessoas deveriam usar estas camisas para dormir durante 5 noites consecutivas, e ao final desse processo devolveriam as camisas para os pesquisadores (sem serem lavadas). Estes pesquisadores então solicitaram que outras 41 pessoas cheirassem várias dessas camisas e informassem tanto a idade que eles acreditavam que quem havia usado ela tinha, quanto também deveriam avaliar o grau de agradabilidade do cheiro (ou seja, o quanto eles gostaram do cheiro).
   A pesquisa revelou duas coisas interessantíssimas. Primeiro, que houve uma correlação estatisticamente significativa entre a idade do usuário da camisa, e a idade avaliada pelo indivíduo que cheirou, ou seja, aparentemente nossa espécie consegue identificar pelo olfato a idade de alguém (nem sempre exata, mas aproximada). Aliás, quanto mais velha a pessoa, mais fácil era identifica a faixa etária dela com base no cheiro da roupa. A outra conclusão surpreendente é que, ao contrário da crença do senso comum, o cheiro dos indivíduos mais idosos foi considerado menos intenso e menos desagradável, que o das pessoas mais jovens.
     Isso nos faz pensar pelo menos uma coisa: quais outras pré-concepções que temos com relação a pessoas de idade, estão equivocadas?....

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Explicando o nosso gosto musical – uma homenagem científica ao “Dia da Música”


Durante muito tempo, “arte” e “ciência” foram campos distintos, e com limites bem delineados; de maneira que diante da mera “ameaça” de um cientista transpor a fronteira e entrar no campo da arte, este já era considerado um intruso e tratado com desdém – o mesmo acontecia quando um artista se aventurava na ciência.
Hoje em dia, com o paradigma da interdisciplinaridade, busca-se cada vez mais a interação dos saberes, e se está demonstrando que arte e ciência são, ao invés de como água e óleo, como água e álcool, possíveis de se transformarem numa mistura homogênea.
Entre os campos da ciência considerados mais interdisciplinares está a neurociência, que utiliza métodos de imageamento cerebral (como, por exemplo, a “Ressonância Magnética Funcional”) para mapear as reações físicas do cérebro em resposta a algum determinado estímulo. Esse estímulo varia de acordo com o interesse dos pesquisadores. Existe, por exemplo, uma linha da neurociência que estuda como o cérebro toma decisões financeiras: a neuroeconomia; outra que busca identificar como o cérebro responde às campanhas publicitárias e propagandas: o neuromarketing; e há aqueles que querem identificar como nosso cérebro responde às manifestações artísticas em geral: a neuroestética. É sobre essa linha que pretendo falar neste momento.
Afinal, hoje (22/11) é uma data muito importante, mas pouco difundida. Trata-se do “Dia da Música”, um dia no ano dedicado a homenagear uma manifestação artística presente em todos os dias do ano. É possível falar muitas coisas sobre a música – a ciência já avançou bastante nessa direção – porém resolvi abordar a capacidade que a música tem de despertar nossas emoções.
Mas, porque é interessante saber sobre a evocação de emoções pela música? Ora, nada numa música importa mais que as emoções que ela nos desperta. Músicas que não nos emocionam, em geral não são consideradas boas, e não fazem parte da nossa playlist. Gostamos da música, porque ela nos emociona. Mas o que desperta nossas emoções quando ouvimos uma música?
O coração humano não é uma coisa só, apesar de assim parecer, para um leigo em anatomia que o vê intacto pela primeira vez. Ele é composto por átrios, ventrículos, e várias outras estruturas, cada uma com sua função específica, porém todas funcionando em harmonia para a concretização de uma tarefa comum: manter o sangue circulante. Nosso cérebro é a mesma coisa. A primeira vista, parece único: indivisível, desprogramado e inespecífico. Porém, com o avanço da neurociência estamos vendo que ele funciona com base num ritmo sincronizado de vários mecanismos (ou “módulos cognitivos”), todos responsáveis por tarefas específicas, porém todos agindo em conjunto em função de uma tarefa comum: permitir a representação da realidade.
O mecanismo cerebral que processa a emoção da música já foi mapeado, e curiosamente é o mesmo que processa emoção em qualquer outro contexto; chama-se Sistema Límbico, e consiste num conjunto de estruturas cerebrais primitivas e interligadas, entre elas se destaca a amígdala (não confunda com a da garganta, que por sinal agora se chama “tonsila”). A Amígdala cerebral é uma das estruturas cruciais para o processamento da emoção. Estudos têm demonstrado que ela é responsável pelo “calafrio”, e o “choque na espinha” que sentimos quando ouvimos alguma música que nos agrada.
Além do Sistema Límbico, o chamado Sistema de Recompensa também parece desempenhar um papel importante na percepção da emoção em alguma música. Esse é o mesmo sistema ativado, entre outras coisas, na instalação de vícios em geral. Eis a razão pela qual repetimos constantemente a reprodução de músicas que gostamos, pois ficamos viciados na música, pelo fato de ela ter ativado nosso Sistema de Recompensa.
Alguns estudos também já apontam a participação do Sistema de Neurônios-Espelho no processamento das emoções musicais. Os neurônios-espelho recebem esse nome, pois eles têm a incrível capacidade de reproduzir ações ou intenções que vemos no outro, como se fossem reais espelhos retratando dentro de nossa mente, o que a outra pessoa está fazendo ou expressando. Essa é uma das bases biológicas da empatia, que consiste em compartilhar da emoção do outro. Isso quer dizer que, quando ouvimos uma canção, percebemos através da voz do cantor ou mesmo de sua expressão corporal, a emoção dele. Com isso podemos compartilhar suas emoções. Por essa razão, cantores mais expressivos tendem a ser mais admirados e vendem mais, afinal, as pessoas se emocionam mais ao escutá-lo.
Até aqui já foram mencionados alguns dos mecanismos neurais identificados que comprovam a influência física da música sobre nossas emoções, mas será que podemos tirar um proveito prático disso tudo? Com certeza! Alguns estudos já constataram a eficiência da chamada musicoterapia (ou “terapia da música”) para casos de pacientes com transtornos afetivos, como no caso da Depressão. Evidências sugerem que a música beneficia os pacientes depressivos ao estimular o Sistema de Recompensa, que tem total relação com a motivação, que é uma das características alteradas nesses pacientes, ou seja, age estimulando um circuito que estava disfuncional, melhorando assim o quadro do paciente. A musicoterapia está ganhando cada vez mais destaque, principalmente devido ao apoio do famoso neurologista Oliver Sacks, que em seu livro “Alucinações Visuais” (2007) defende o uso da música como complemento no processo terapêutico de algumas enfermidades. Lembrando que a música não substitui o tratamento médico, psicológico ou de outra natureza, sendo considerada uma terapia complementar.
Mas vamos supor que você não tenha nenhuma doença. Que dica prática os estudos sobre a evocação das emoções pela música podem te fornecer? Nesse aspecto, o professor Nicolas Guéguen, da Université de Bretagne-Sud (França), tem uma conclusão de pesquisa que deixará alegre todos os solteiros de plantão. Imagine a seguinte pesquisa:
Uma mulher é convidada para participar de uma investigação sobre as diferentes percepções individuais sobre produtos orgânicos (a pesquisa não é sobre isso, mas ela é convocada sob essa justificativa, para que o verdadeiro objetivo da pesquisa seja alcançado). Ela é levada até uma sala pequena e o pesquisador explica que “o outro participante” ainda não chegou, e que então ela deverá esperar alguns minutos. Ela fica sozinha na sala, ouvindo a música “Je l’aime à Mourir” de Frances Cabrel (considerada muito romântica pela população francesa); ou então: “L’heure du Thé” de Vincent Delerm (considerada neutra, ou não romântica). Metade das mulheres que participaram dessa pesquisa ouviu a música romântica, enquanto que a outra metade ouviu a música neutra. Ok! Depois de 3 minutos esperando, eis que chega o “outro participante” – que na verdade é um ator contratado pelos pesquisadores, totalmente desconhecido pela moça. Os dois são levados até uma sala onde eles são orientados a comer um biscoito orgânico, e um não-orgânico, e na sequência precisam conversar durante 5 minutos, sobre o que acharam de cada biscoito. Após o experimento-fachada, o ator contratado sorri e diz a seguinte frase para a mulher: “Meu nome é Antônio, como você sabe. Eu acho que você é muito legal, e seria maravilhoso se você pudesse me dar seu número de telefone. Eu posso te ligar mais tarde e podemos tomar um drinque juntos na semana que vem". Ele deve esperar pela resposta dela dentro de 10 segundos, se ela lhe der o telefone, ele anota, senão, se despedem normalmente. O que você acha que aconteceu? Do grupo de mulheres que ouviram a música romântica na sala de espera, 52% aceitaram informar o telefone, porém, apenas 27% do grupo das que ouviram música neutra aceitaram dar a informação.
Isso quer dizer que, se você está pretendendo declarar seu amor a alguém, terá mais chance se fizer isso ao embalo de uma balada romântica. Mas é claro, a música é um “empurrãozinho amigo”. Se você não tem uma boa proposta para fazer, não culpe a ciência pela rejeição.
Espero ter esclarecido a relação entre o cérebro, a música e as emoções. É claro que há muitas outras informações disponíveis sobre isso, que seria impossível explicar aqui, além de muitas outras coisas que a ciência ainda não descobriu. E ai está o encanto da ciência. Mesmo esclarecendo os mecanismos subjacentes às emoções evocadas pela música, ela não elimina o aspecto emocional da experiência musical. Ao contrário, quanto mais conhecemos sobre a neurociência da música, mais intensa é nossa sensação de deslumbramento ao pensar nas incríveis “sinfonias” produzidas pelos nossos neurônios, que nos permite sentir o prazer de ouvir nossa música preferida.

Referências:
GUÉGUEN, N. JACOB, C. LAMY, L. "Love is in the Air": effects of songs with romantic lyrics on compliance with a courtship request. Psychology of Music, vol. 38, 2009.
KOELSCH, S. Toward a neural basis of music-evoked emotions. TRENDS in Cognitive Sciences, vol. 14, nº 3, 2010.
MOLNAR-SZAKACS, I. OVERY, K. Music and mirror neurons: from motion to 'e'motion. SCAN, vol. 1, p. 235-241, 2006.
SACKS, O. Alucinações Musicais. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Fonte da Imagem: http://musicaeduca.files.wordpress.com/2011/06/cerebro_musica.jpg

sexta-feira, 27 de maio de 2011

DOCE COMO UM ROMANCE... ROMÂNTICO COMO UM DOCE


A excêntrica personagem Barbara Novak, interpretada pela atriz Renée Zellweger no filme “Abaixo o Amor” (Down With Love, 2003) lança um Best-Seller capaz de convencer temporariamente uma enorme população feminina dos anos 60 de que o amor era desnecessário e que as mesmas sensações psicológicas poderiam ser despertadas pelo chocolate. De antemão aviso que a posição desta personagem não está totalmente errada, tampouco totalmente certa. O que aconteceu foi apenas um deslize do roteirista, que ignorou o fato de os estudos científicos do amor terem começado a ser desenvolvidos apenas na segunda metade da década de 70 e, as investigações com neuroimagem (responsáveis pela descoberta da correlação amor-chocolate) só começaram em 2001, 40 anos depois da época em que a história do filme se passa. Logo, podemos dizer que Barbara Novak, na melhor das hipóteses, estava blefando – um bom blefe, é como eu o definiria –, pois ela não teria como ter a menor idéia sobre isso naquela época (apesar de que para lançar Best-Sellers de autoajuda com “idéias científicas” não precisa de conhecimento científico real).
“Então quer dizer que é verdade? Amor e chocolate são a mesma coisa, no cérebro?”. Para responder isso é só pensar na seguinte situação: ignore qualquer tipo de voto de castidade já feito e, mentalmente, decida se prefere: 1) Ganhar um chocolate do tipo feito por Willy Wonka, cujo volume nunca diminui – por mais que você coma – o gosto se mantenha sempre o mesmo (uma delícia!), e que não tenha data de validade; ou 2) Um(a) companheiro(a) para quem dar e de quem receber amor. Acredito que a maioria irá escolher a segunda opção, mesmo sabendo que uma relação amorosa se desgasta, não tem o mesmo gosto sempre e pode ter um prazo de validade curtíssimo. Isso quer dizer que, se “amor” e “chocolate” fossem a mesma coisa, poderíamos esperar que 50% escolheriam a primeira opção, e o demais a segunda. Se esta divisão uniforme não acontece, isso significa que as duas coisas são mesmo duas coisas, e não uma só.
Contudo, isso não significa que “chocolate” e “amor” sejam TOTALMENTE diferentes. De fato, estudos de neuroimagem funcional (método que registra a atividade cerebral em tempo real, e assim permite mapear regiões do cérebro que ficam ativas ou inativas diante de determinado estímulo) evidenciaram algumas semelhanças significativas entre ver a pessoa amada, e comer chocolate. Para ilustrar isso, eu vou descrever aqui dois elegantes estudos, um deles foi pioneiro na compreensão dos efeitos do chocolate no cérebro, o outro foi fundamental para esclarecer os circuitos neurais do início de um grande amor.
O interessante – e delicioso – estudo feito pela McGill University, com participação do neuropsicólogo e professor natural da Argentina: Robert Zatorre quis evidenciar as bases biológicas da vontade e da saciedade, utilizando barrinhas de chocolate como estímulo. O experimento funcionou da seguinte maneira: primeiro, era oferecida uma barrinha de chocolate para o sujeito voluntário da pesquisa, que comia o chocolate, e em seguida preenchia uma escala que variava de -10 ("se eu comer mais um pedaço de chocolate vou passar mal") a +10 ("Quero muito outro pedaço de chocolate"); na sequência, eles eram submetidos a um processo de neuroimagem cerebral, e por fim recebiam mais um pedaço de chocolate. Este procedimento se repetia até que cada sujeito marcasse o -10, ou seja, até que cada um ficasse extremamente enjoado de comer chocolate. Esta pesquisa ganhou destaque porque descortinou dois sistemas de motivação no cérebro humano: o do prazer, que nos motiva a buscar o estímulo (no caso, o chocolate) e querer sempre mais; e o da dor, que nos motiva a evitar o estímulo e desejar sempre menos. Cada um destes sistemas tem uma correlação neuroanatômica diferente. Em resumo: uma das regiões que se descobriu envolvidas na motivação pelo prazer foi o chamado circuito de recompensa, há muito já identificado e estudado, e que está por traz, entre outras coisas, dos vícios e hábitos arraigados. Em contrapartida, uma região específica do cérebro chamada de “córtex retrosplenial” ficou ativa no momento em que os sujeitos estavam saciados, demonstrando ser um importante componente do sistema de motivação pela dor.
Já o segundo artigo sobre o qual quero comentar, realizado na Rutgers University, com participação da eminente antropóloga e neurocientista Helen Fisher, procurou investigar a neurobiologia da fase inicial do amor. Para isso recrutaram um total de 17 sujeitos voluntários, todos envolvidos em relações amorosas intensas e recentes (de 1 a 17 meses in love). Cada um foi convidado a entrar na máquina de ressonância magnética funcional, enquanto os cientistas registravam o padrão da ativação cerebral deles diante de dois tipos de estímulos: 1) a foto da pessoa amada; 2) a foto de alguém que conheciam, mas por quem não estavam apaixonados. Assim, os pesquisadores conseguiram isolar e descrever as bases neuroanatômicas relacionadas à visão da pessoa amada. E o que eles descobriram? Lá estava o Sistema de Recompensa (sim, o mesmo do chocolate), tão brilhante como nunca. Este sistema é que nos faz sentir o impulso de buscar sempre quem amamos.
Em outros estudos realizados pela Helen Fisher, ela descobriu que o desgaste na relação amorosa ativa – da mesma forma que na saciedade ao chocolate – o córtex retrosplenial, porém, em contrapartida, os casais que se mantém apaixonados ao longo de vários anos são aqueles que conseguem manter a ativação do sistema de recompensa. E como ativamos este sistema? Mudando sempre! Nunca nos deixando cair na rotina, em outras palavras, surpreendendo o outro e a si mesmo a cada instante, evitando o estado de saciedade.
Estes estudos demonstram o papel fundamental do sistema de recompensa na motivação pelo prazer, tanto ativado pelo chocolate, quanto pela pessoa amada, bem como o córtex retrosplenial na motivação pela dor, também ativado por ambos os estímulos. É claro que para cada uma das situações, há outras várias regiões cerebrais envolvidas (que não convinha ficar descrevendo aqui) afinal, como vimos: amor e chocolate não são a mesma coisa. Mas a idéia de que “nos derretemos” todo quando recebemos chocolate da pessoa amada faz sentido diante das evidências, pois é como se estivéssemos ativando duas vezes mais o nosso sistema de recompensa.
Ai vai uma dica para a comemoração do “Dia dos Namorados”: o chocolate tem realmente a propriedade de apimentar, quer dizer, adoçar um romance! Mas não basta simplesmente presentear com chocolates. Analise sua relação, veja o que você está fazendo para melhorá-la, torná-la mais surpreendente e naturalmente agradável. Porque senão, o sistema de recompensa vai até ser ativado pelo chocolate, mas quando isso acabar, o retrosplenial entrará em cena novamente, e pode vir munido com o objetivo de anunciar o final do espetáculo!

Referências

1. ARON, Arthur. FISHER, Helen. MASHEK, Debra. STRONG, Greg. LI, Haifang. BROWN, Lucy. Reward, Motivation, and Emotion System Associated with early-stage intense romantic love. J Neurophysiol, vol. 94, 2004.
2. FISHER, Helen. Por que Amamos. Rio de Janeiro: Record, 2006.
3. SMALL, Dana. ZATORRE, Robert. DAGHER, Alain. EVANS, Alan. JONES-GOTMAN, Marilyn. Changes in brain activity related to eating chocolate: from pleasure to aversion. Brain, vol. 124, 2001.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Nossa Natureza Ciumenta


Quando vemos cenas como as divulgadas no dia 10 de Maio referente ao jovem de 18 anos que foi espancado e esfaqueado com por outros rapazes (a maioria já detidos) devido ao ciúme, na saída de uma boate de Jaraguá do Sul – Santa Catarina, despertamos em nossa mente o instantâneo questionamento acerca do porquê de tal comportamento brutal.
Para responder a isso, eis que surgem vários especialistas que tentam explicar este comportamento como sendo resultado da falta de limites dos pais e da sociedade contemporânea. O que eles não conseguem explicar é que atos violentos e/ou assassinatos movidos por ciúme são uma realidade em todas as culturas humanas, em todos os tempos da humanidade, independentes da forma como os filhos são criados.
O ciúme é um sentimento extremamente primitivo, altamente adaptativo e muito importante para o comportamento sexual de uma série de exemplos do reino animal (incluindo nós seres humanos). Ele tem a função de monitorar e assegurar a confiança do(a) parceiro(a), sendo engatilhado por estímulos diferentes entre os gêneros. Pesquisas de extremo reconhecimento científico já comprovaram que, em média, o ciúme masculino é desencadeado por sinais de infidelidade sexual, enquanto que o ciúme feminino é desencadeado por sinais de infidelidade afetiva. Isso quer dizer que os homens ficam mais enciumados quando vêem, ou pensam que sua companheira os está traindo sexualmente, e mais, em homens mais velhos o alvo da violência movida pelo ciúme tende a ser a companheira, enquanto que em rapazes jovens o alvo tende a ser o rival. Este nosso instinto de sentir ciúmes e, a partir dele, se comportar de forma mais agressiva que normalmente nos comportamos, explica (mas não justifica) o que aconteceu na madrugada do último sábado. Afinal, a vítima foi atacada até a morte por um rapaz enciumado com o possível “clima” que aconteceu entre ele e sua suposta namorada dentro da boate, que convocou colegas leais para ajudá-lo na vingança ciumenta.
Mas vale ressaltar que, apesar de o ciúme nos fazer agir de forma mais agressiva que o normal, nem todos nós esfaqueamos parceiras ou parceiros (sim, existem homicídios cometidos por mulheres movidas por ciúme) por causa disso. Neste caso de violência extrema, é necessário levar em consideração outros fatores que possam ter desencadeado uma resposta tão exacerbada. Talvez o agressor estivesse sobre o efeito de algum tipo de droga (fato que ainda não foi negado, ou confirmado), pois sabemos que determinadas drogas agem desbloqueando nosso “freio comportamental”, nos fazendo agir de forma mais agressiva que o normal; ou talvez ele possua de antemão uma estrutura de personalidade que naturalmente fomenta condutas agressivas, o que pode ser confirmado com base em seu histórico pessoal de brigas e/ou comportamentos anti-sociais manifestados ao longo da vida. As mesmas observações servem para os colegas que aceitaram participar deste crime. Friso que tais apontamentos são apenas hipóteses não confirmadas acerca destes possíveis desencadeadores do ciúme devastador, e que têm um caráter unicamente explicativo, não tendo por objetivo justificar o assassinato cometido.
Mas como lidar com uma motivação com propriedades tão violentas, e que é tão mais antiga que a própria humanidade? Antes de mais nada é necessário termos sempre em mente que, apesar de vivermos numa sociedade altamente desenvolvida, tendo acesso a tecnologias que permitem vigilância constante (como a câmera que filmou o assassinato), ainda assim somos regidos por impulsos primitivos instalados em nossos cérebros ao logo de todo o processo evolutivo, como por exemplo o ciúme. Diante disso, somos capazes de ter o bom senso de analisar melhor nossas empreitadas românticas, descobrindo que em um ambiente escuro, fechado, ao som de música alta, e rodeado de consumo de drogas lícitas (e às vezes até ilícitas), flertar com alguém desconhecido pode acabar muito mal. A nossa natureza que responde ao amor não está adaptada a esta configuração social atual de “ficar”. O amor é uma coisa séria, por isso, abordar alguém desconhecido, sobre o qual não sabemos nada acerca de relacionamentos passados, ou mesmo presentes, num ambiente potencialmente hostil (como numa boate), é algo que precisamos ao máximo evitar, pois nessas condições, não temos como saber – até para nossa própria proteção – se entre nossa ligação com alguém que à primeira vista parece “fantástico(a)” existe um potencial assassino se roendo de ciúme.

Referências:

BUSS, David. A Paixão Perigosa: Por que o ciúme é tão necessário quanto o amor e o sexo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.
ESTADÃO. Três são detidos por suspeita de agredir jovem até a morte em SC. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,tres-sao-detidos-por-suspeita-de-agredir-jovem-ate-a-morte-em-sc,717273,0.htm
GAZETA DO POVO. Presos 3 suspeitos de agredir jovem até a morte em SC. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1124312&tit=Presos-3-suspeitos-de-agredir-jovem-ate-a-morte-em-SC

terça-feira, 10 de maio de 2011

Estou divulgando meu artigo publicado no jornal O GLOBO, versão eletrônica: http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2011/05/10/culpar-ou-nao-culpar-os-jogos-eletronicos-violentos-924429452.asp

I should add that this text was reviewed by Professor Christopher J Ferguson of Texas A & M University who has accepted to read a english version of this article, that I sent for him via email. Thank you very much, Professor Ferguson!

Outra coisa, logo abaixo estão disponíveis as referências utilizadas para escrever este artigo:

1. FERGUSON, Christopher. The good, the bad and the ugly: a meta-analytic review of positive and negative effects of violent video games. Psychiatr Q, vol. 78, 2007.
2. FERGUSON, Christopher. RUEDA, Stephanie. CRUZ, Amanda. FERGUSON, Diana. FRITZ, Stacey. SMITH, Shawn. Violent video games and aggression: causal relationship or byproduct of family violence and intrinsic violence motivation?. Criminal Justice and Behavior, vol. 35, nº 3, 2008.
3. FERGUSON, Christopher. The school shooting/violent video game link: causal relationship or moral panic?. Journal of Investigate Psychology and Offender Profiling, vol. 5, 2008.
4. FERGUSON, Christopher. Blazing Angels or Resident Evil?: can violent video game be a force for good?. Review of General Psychology, vol. 14, nº 2, 2010.
5. FERGUSON, Christopher. OLSON, Cheryl. KUTNER, Lawrence. WARNER, Dorothy. Violent video games, catharsis, seeking, bullying and delinquency: a multivariate analysis of effects. Crime & Delinquency, vol. 20, nº 10, 2010.
6. FERGUSON, Christopher. "Video games are like smoking and lung cancer" and other urban legends in the violent video game debate. The Journal of Education, community, and values, vol. 11, issue 1, 2011. Disponível em: http://bcis.pacificu.edu/journal/article.php?id=761
7. MARKEY, Patrick. MARKEY, Charlotte. Vulnerability to violent video game: a review and integration of personality research. Review of General Psychology, vol. 14, nº 2, 2010.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

FELIZ 2011! MUITA SAÚDE, AMOR, SUCESSO E... DESEJO QUE VOCÊ USE MAIS SEU CÓRTEX PRÉ-FRONTAL LATERAL!



“Feliz Ano Novo! Muita saúde, amor, sucesso e... paciência!”. Esse é um voto de felicidade genérico, e comumente todos nós ouvimos algo parecido, na “Noite da Virada” (geralmente seguido por um aperto de mão, um abraço, um beijo, ou seja lá o que o clima de festa e a bebida permita expressar). Mas qual o mecanismo neural da paciência? Calma, calma! Primeiro é preciso entender porque é tão importante ser impaciente quando se trata de estudar as bases da paciência.
Você já teve paciência para pensar acerca da importância da paciência para a vida cotidiana? Desde a nossa infância, até a velhice, quantas vezes nos vimos e nos veremos obrigados a esperar pela realização de algum desejo. Quantas vezes não esperamos e acabamos escolhendo uma opção que futuramente se revelou insatisfatória, ou mesmo prejudicial? Quão paciente você está, neste momento, ao ler este texto, e quão impaciente você está, neste momento, por saber o desfecho do artigo?
Vejo a “paciência/impaciência” como uma contradição potencialmente capaz de definir nossa história. Desde acordar a ir deitar, escolhemos inúmeras vezes. Escolhemos levantar da cama, em detrimento de continuar dormindo; escolhemos escovar nossos dentes, em detrimento de manter a sujeita que nele acumulou desde a última escovação; escolhemos ir trabalhar em detrimento de ficar em casa... Todas essas escolhas envolvem ganhos imediatos, e também prejuízos imediatos. A questão é: “Quão rápido nós queremos ganhar e perder?”. A rapidez com que as escolhas são tomadas depende do nosso grau de paciência/impaciência no momento, logo, a existência ou não desta habilidade é capaz de modificar significativamente nossa vida, seja para melhor, seja para pior. Ai está a importância de conhecermos o mecanismo biológico responsável por controlar a manifestação deste fenômeno tão crucial em nossas vidas.
Vamos à pesquisa!
No estudo (publicado na Nature Neuroscience por Figner e colaboradores) era apresentado aos sujeitos duas opções: 1) Receber uma pequena quantia em dinheiro em pouco tempo; 2) receber uma quantia significativamente maior de dinheiro, após um período de tempo maior. Os pesquisadores utilizaram o método não invasivo de Estimulação Magnética Transcranial (TMS, sigla em inglês) para "bloquear" momentaneamente a atividade do córtex pré-frontal lateral dos sujeitos durante o experimento, e eles evidenciaram que, sob o efeito da TMS os sujeitos tendiam a escolher a opção que fornecia ganhos imediatos, em detrimento da opção que exigia paciência para receber maiores importâncias no futuro. Porém, após passado o efeito da TMS, os sujeitos tendiam a escolher a segunda opção.
Evidenciou-se que o córtex pré-frontal lateral é crucial na tomada de decisão que envolve adiar um pequeno ganho imediato em prol de um ganho futuro maior, ou seja, o Córtex Pré-Frontal Lateral é o substrato neural da paciência humana. Levando-se em consideração que o córtex pré-frontal é uma das últimas áreas cerebrais a ser completamente mielinizada, está explicado porque crianças e adolescentes são tão impacientes (cuidado para não confundir uma "explicação científica" com uma "justificativa", crianças e adolescentes TEM SIM que obedecer a certos prazos, e isso exige certo grau de paciência que, embora não seja uma capacidade plenamente desenvolvida em seus cérebros, pode muito bem se manifestar, com certo esforço).
Porém, o que ainda não se sabe é "como" e "o que exatamente" essa região cerebral realiza, para impedir que realizemos escolhas precipitadas. Porém, os pesquisadores acreditam que o papel do córtex pré-frontal lateral seja agir como um "controle" comportamental, "autorizando" ou não uma decisão tomada por outras regiões pré-frontais.
A questão é que o primeiro passo foi consolidado: descobriu-se a importância do córtex pré-frontal lateral no processamento da paciência. Podemos ficar mais tranquilos com essa descoberta inicial, mas não devemos ficar pacientes, afinal, como comenta o resenhista:

What causes lateral prefrontal cortex to be engaged during decision-making, why might it be engaged more in some decisions than in others and how does this computation affect processing in other brain regions? (p. 524)

E então... Quem será impaciente o suficiente para resolver algum destes enigmas no tempo mais curto?



Fonte: KABLE, Joseph. Just a little (lateral prefrontal) patience. NATURE NEUROSCIENCE, vol. 13, nº 5, 2010.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Que tal doar seu corpo para a ciência?


Como estamos em clima de festa e solidariedade, o que acha de fazer uma boa ação doando seu corpo para a ciência?
Que pergunta estranha, e aparentemente sem sentido! Afinal, quem iria querer doar seu próprio cadáver para a ciência, sendo exposto 100% despido e cortado por bisturis de uma centena de jovens estudantes curiosos pelo formato dos órgãos internos? Como se não bastasse, ainda seria necessário enfrentar todo o julgamento social negativo de parentes e colegas, que muito provavelmente desaprovariam a escolha, considerando-na, no mínimo, “uma loucura!”.
Pode parecer estranho, mas ao contrário de muitos países, na Holanda existe fila de espera para doação do próprio corpo para finalidades médicas. Por isso decidiu-se investigar a razão pela qual as pessoas desejam doar seu próprio cadáver (só para se ter uma noção, em 2008 o Centro Médico Universitário de Groningen recebeu 410 novos registros de pessoas motivadas a se doar para a ciência). “Loucura coletiva”? Provavelmente não... Mas estudar as razões pelas quais tantas pessoas tomam essa decisão era um objetivo muito interessante para se pesquisar.
Em Novembro de 2008, 996 pessoas do banco de dados para doação de corpos responderam a um questionário com o objetivo de levantar as razões pela qual eles decidiram doar o próprio cadáver.
A análise sociodemográfica revelou que 51% eram homens; 79% não eram religiosos(as), 25% eram profissionais da saúde; e 11% eram educadores(as), ou de alguma forma estavam relacionados à educação.
O questionário tinha 02 partes. Na primeira, os sujeitos deveriam listar livremente 1 ou 2 razões pelas quais tomaram tal decisão. Na segunda etapa eram listados diferentes motivos pelo qual o respondente provavelmente escolheu ser doador, que deveriam ser avaliados através de uma escala likert de 5 pontos, sendo 1 igual a "isso desempenhou um papel mínimo na minha decisão de doar meu corpo" e 5 igual a "isso desempenhou um papel definitivo na minha decisão". Os resultados demonstraram o seguinte: houve 3 motivações mais citadas; 1) Desejo de ser útil após a morte (p.ex.: querer contribuir para a ciência médica; querer ajudar outras pessoas); 2) Crenças pessoais negativas associadas a funerais (p.ex.: detestar rituais fúnebres); 3) Expressar gratidão (p.ex.: querer, de alguma forma, retribuir aos profissionais da medicina pelo que lhe prestaram durante os anos de vida; querer expressar gratidão pela vida e saúde). Claro, sempre há os mais capitalistas (neste caso, 8%) que assinalaram como principal motivação para doar seus corpos, o fato de o enterro ou cremação custar caro.
Contudo, a análise foi mais profunda. Conclui-se que a doação do próprio cadáver não é apenas um ato altruísta, mas que jaz sob esta decisão aparente um interesse egoísta, afinal, ao responder que prefere ser doado, a ser cremado ou enterrado, o respondente está inicialmente pensando em si próprio ("eu não gosto de funerais, eu quero o melhor para mim, e o melhor para mim é ser doado"); ao responder que deseja ser doado para economizar o dinheiro do funeral (como um dos respondentes disse: "Não quero dar aos profissionais da funerária a oportunidade de fazer dinheiro com a minha morte!") os sujeitos também estão inicialmente pensando em si e em sua família, pois deseja lhes poupar o dinheiro; alguns ainda escolhem doar o próprio corpo porque não desejam que "fulano" ou "cicrano" compareça em seu funeral (uma crença bastante disfuncional, por sinal); a maioria aponta como principal motivação para doar o próprio corpo, o fato de que poderão estar sendo úteis para a ciência, porém, essa utilidade geralmente está associada à alguma necessidade familiar (ou seja: "serei útil para descobrir o mecanismo fisiopatológico do Parkinson, e assim poder ajudar minha esposa que acabou de receber o diagnóstico").
Concluo esclarecendo o conceito de “Falácia Naturalista”, em que um “é”, não precisa necessariamente ser convertido em um “deve ser”, e que a explicação de um determinado fenômeno não o justifica. Logo, quero frisar que este interessante estudo evidenciou a razão pela qual as pessoas se motivam a doar o corpo à ciência, e esta razão (“Ser útil, mesmo após a morte!”) é e continuará sendo nobre, independente se a análise detalhada dos dados revelou haver motivos egoístas subsidiando.



Fonte: BOLT, Sophie. VENBRUX, Eric. EISINGA, Rob. KUKS, Jan. VEENING, Jan. GERRITS, Peter. Motivation for body donation to science: more than an altruistic act. ANNALS OF ANATOMY, vol. 192, 2010.